Ninetteen Eighty-Four (1984), de Michael Radford
Por Mário Dorminsky
“Aquele que controla o passado, controla o futuro. Aquele que controla o presente, controla o passado”. É com esta frase de George Orwell que começa um dos mais memoráveis filmes que passou pelo Fantasporto. A edição de 1985 do Festival Internacional de Cinema do Porto ficou marcada pela adaptação para cinema do livro “Mil Novecentos e Oitenta e Quatro” (“1984”) de George Orwell, pseudónimo de Eric Arthur Blair, feita por Michael Radford.
Nascido na Índia a 25 de Junho de 1903, Orwell foi para Inglaterra, ainda não tinha feito um ano. Com uma educação burguesa, cedo descobriu que queria ser escritor. Usou a sua arma favorita, a caneta, para denunciar um futuro demasiado realista.“Mil Noventos e Oitenta e Quatro” foi escrito em 1948. Três anos antes tinha escrito outro fabuloso romance “O Triunfo dos Porcos”. Tal como “Mil Novecentos e Oitenta e quatro”, “O Triunfo dos Porcos” é uma metáfora sobre a sociedade moderna e a política.
Expressões como “Big Brother” são agora banais graças à utilização do termo como nome de um deplurável concurso televisivo. Aí é-nos prometida “a vida real como ela é”. No entanto, a essência do programa em questão, está na obra que Orwell escreveu, sendo a frase “Big Brother is Watching you” retirada da publicidade que inundou Londres aquando do lançamento do livro no final dos anos 40.
“Mil Novencentos e Oitenta e quatro” é a par de romances como “Laranja Mecânica”, ”Admirável Mundo Novo” ou “Fahrenheit 451”, um dos livros mais citados em todo o mundo.
Depois de um Apocalipse, o mundo está divido em três partes, a Oceania, a Eurásia e a Lestásia. Londres é a capital da Oceania. É retratada uma sociedade totalitária onde o Estado é omnipresente tendo a capacidade de alterar o curso da história, bem como travar uma guerra sem fim, para que o seu objectivo não se altere, o controlo total de uma sociedade.Como em grande parte das mais inebriantes histórias, o amor é o motor de tudo. Um funcionário do Ministério da Verdade da Oceania vai revoltar-se contra o sistema, por causa do seu amor por Julia.
Sob a alçada do regime totalitário do “Big Brother”, Winston Smith trabalha no serviço de rectificação de notícias já publicadas. Winston reescreve a história do jornal “The Times” de acordo com as crenças do regime. Sem saber explicar o que lhe passa, Winston vai-se apaixonando por Júlia, uma colega de trabalho. Num mundo onde o sexo só é permitido para efeitos de procriação, a vida do casal vai ser difícil. Na sua rebelião, vai ser ajudado por O’Brien, um membro do “Partido Interno”. Winston acaba por descobrir que é o próprio partido no poder a fomentar a rebelião, para que o homem se aperceba das suas limitações.George Orwell não pode ser considerado nada menos do que um grande visionário. O escritor britânico alertava no final da Segunda Guerra Mundial para o que se aproximava: Poder, corrupção, terrorismo, sociedades totalitárias… o “Big Brother” pode ter sido inspirado em homens como Hitler, mas chega muito mais longe, tanto que em 2008, 60 anos depois de ter escrito a obra, ela está mais actual que nunca. Orwell apresenta um interessante conceito para a definição da guerra: diz o visionário que a guerra não tem como objectivo vencer o inimigo ou lutar por uma causa, antes pretende manter o poder das classes altas da sociedade, limitando o acesso à educação, cultura e bens materiais.
O livro “Mil Novecentos e Oitenta e Quatro” foi adaptado para cinema nesse mesmo ano. Nos principais papeis do filme estão John Hurt e Richard Burton (este foi o último filme que Burton protagonizou). Desde sempre atento ao cinema que se faz por esse mundo fora, e grande fã do romance de George Orwell, o Fantasporto exibiu a obra em 1985. Recorde-se que há 20 anos não existiam dvds nem uma mão cheia de distribuidoras. Trazer os filmes para Portugal era uma árdua tarefa, que no entanto, nunca fez o Fantas desistir da sua missão de dar a conhecer grandes filmes ao público português. Acabadinho de estrear nas salas de cinema inglesas, o Fantasporto exibiu o filme, que foi candidato ao prémio de Melhor Filme da sua Secção Oficial. O actor John Hurt (que aliás visitou o festival no seu 25º aniversário) acabaria por ganhar o Prémio de Melhor Actor. O britânico, actualmente com 68 anos, acabava então de ter feito furor no filme de David Lynch “O Homem Elefante” também exibido no Fantasporto, um ano antes, na presença do seu realizador. Na altura Hurt foi nomeado para o Oscar de Melhor Actor. Em “1984” ele é a vítima de uma sociedade totalitária. Curiosamente, 20 anos depois, Hurt faz do próprio “Big Brother” em “V de Vingança” um filme de James McTeigue, escrito pelos irmãos Wachowski (“The Matrix”) com confessada inspiração na obra de George Orwell. “Mil Novecentos e Oitenta e Quatro” foi realizado por Michael Radford, responsável igualmente pela escrita do argumento. A banda sonora está a cargo de uma das maiores bandas pop dos anos 80, os Eurythmics de Annie Lennox e David Stewart. O filme não consegue atingir a excelência do livro, mas também quantos filmes conseguem chegar aos calcanhares das obras em que se baseiam? Talvez “Laranja Mecânica” de Stanley Kubrick seja um filme à altura do livro de Anthony Burguess. Mas, é sempre desleal comparar o livro com o filme. “1984” marca quem o lê… ou quem o vê. E, no fim de contas, não é disso que se trata!
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