Camilo Castelo Branco publica as oito novelas que integram esta obra ímpar entre 1875 e 1877, em doze pequenos fascículos mensais, pela seguinte ordem: “Gracejos que matam”, “O comendador”, “O cego de Landim”, “A morgada de Romariz”, “O filho natural”, “Maria Moisés”, “O degredado” e “A viúva do enforcado”. Por exemplo, comece o leitor por ler a modelar “Maria Moisés”, e ficará convencido da inquestionável mestria da arte de narrar deste arguto analista de almas e poderoso contador de histórias.
Quando Camilo escreve estes textos é um escritor amadurecido, dominando plenamente as suas faculdades de observador e de criador de universos ficcionais. Estas novelas ou narrativas breves centram-se em protagonistas bem delineados, pelo que não lhes é estranha a qualificação camiliana de “biografias enoveladas”.
Trata-se de um conjunto de novelas escritas no Minho (a partir do epicentro de S. Miguel de Seide) e sobre o Minho, sem bucolismos idílicos ou visões pitorescas. Camilo opta antes por temperar enredos mais ou menos passionais com um enorme poder de observação da realidade e de acutilante sentido crítico. Estamos perante um escritor em evolução estética, movido cada vez mais por uma estética da naturalidade.
Tal como noutras criações narrativas, os fios da matéria diegética destas cativantes histórias entrelaçam admiravelmente o poder da imaginação e a capacidade de observação. Distanciando-se dos excessos românticos ou ultra-românticos, a pena de Camilo privilegia histórias centradas na actualidade, em detrimento de narrativas históricas. Diversos narradores-testemunha recriam aqui, com enorme sabedoria técnica e cativante verosimilhança, enredos bem cerzidos e com uma construída aura de verdade.
A própria organização das histórias, urdidas com notável variedade de ordenações e ritmos narrativos, constitui um elemento fulcral para a sedução do leitor de todas as épocas. Mesmo quando abarca algumas décadas, a unidade narrativa é assegurada pelo percurso biográfico de uma personagem central, verdadeiro eixo da história narrada.
A manifesta lição ao nível da língua e do estilo, plasmada na modelar forma desta prosa, constitui outra das qualidades desta obra camiliana. As preocupações vernáculas, a exploração das potencialidades expressivas da língua portuguesa, as constantes reflexões metalinguísticas e metanarrativas, a excepcional fluência do diálogo, a capacidade de interpelação do leitor, a presença de um humor inteligente e corrosivo – são apenas outros méritos que também cativam o leitor de sempre.
Retrato impiedoso do seu Portugal contemporâneo, Novelas do Minho é ainda um universo de soberba demonstração das capacidades de análise psicológica de Camilo. Mesmo descrendo das capacidades edificantes da literatura, os narradores camilianos destas histórias notáveis questionam princípios políticos e valores ético, confrontando a moral cristã e o materialismo reinante.
Assim sendo, não surpreende o sucesso editorial desta obra, visível em sucessivas edições e na recepção crítica; objecto de traduções e adaptações para televisão; e ainda a sua inclusão em programas escolares. Por tudo isto que aqui se sugere e por outras razões, Novelas do Minho é seguramente uma das obras-primas da criação ficcional camiliana, um daqueles títulos que têm forçosamente de figurar numa bibliografia selectiva do infindável e intemporal Camilo.
J. Cândido Oliveira Martins
“Novelas do Minho” e a mestria arte de narrar
Maio 23, 2008 por casadecamilo
Deixe uma Resposta