A escolha do par “Mancha humana” para este exercício reflecte muito mais o gosto que senti ao ler o livro do que um juízo positivo sobre o filme a que ele deu origem. Isto é, gostei muito, mas mesmo muito do livro e, tal como me acontece quase sempre em circunstâncias semelhantes, não apreciei particularmente o filme embora também não possa dizer à la lusitana que haja sido “uma grande desilusão”.
Estou acompanhado nesta apreciação pelo autor que já mais do que uma vez referiu considerar Human Stain uma das suas melhores obras, em contraste com a classificação de “fraquinho” que atribuiu ao filme. Philip Roth costuma dizer, aliás, que depois do “Goodbye, Columbus” nenhum dos outros filmes feitos a partir dos seus livros atingiu um nível aceitável. Existe assim uma aparente consonância entre escritor e leitor entusiasmado/espectador decepcionado. Não tenho conhecimentos suficientes para discutir as razões desta frequente dissociação para além das habituais generalidades: nível das expectativas, diferenças artísticas, factor surpresa, variabilidade narrativa, “tempos” diferentes, …
Gostei (e continuo a gostar) da maioria dos livros de Philip Roth que li embora confesse que me irrita sempre um bocado aquela certeza de que seja qual for a história ela andará à volta de um jovem judeu nascido na Newark dos anos pós-depressão e/ou do adulto que lhe sucedeu e que Nathan Zuckerman epitomiza desta vez como o narrador-amigo-do-protagonista. Mais recentemente, a tonalidade autobiográfica do jovem judeu heterodoxo entretanto envelhecido tem-nos arrastado com uma violência quase-machista para os problemas da terceira idade que o afligem.
As contrário dos outros livros a Mancha Humana passa-se no presente, num dos períodos mais marcantes da minha geração – a América do fim dos anos noventa – e sem deixar de ser povoado pelos fantasmas habituais do autor, dá vários passos em frente. De entre eles salientaria os que mais influenciaram a minha escolha: uma narrativa exemplar dos EUA e das suas gentes, a raça e o racismo, o politicamente correcto, e a organização do poder, seja académico ou outro. Alguns deles afloram no filme, infelizmente de forma bastante menos conseguida do que no livro.
Porto, 19 de Novembro de 2009
Manuel Sobrinho Simões
Manuel Sobrinho Simões, convidado de “Um Livro, Um Filme”, apresenta na Casa de Camilo, no próximo dia 27 de Novembro, pelas 21h30, “Culpa Humana” de Robert Benton
Novembro 24, 2009 por casadecamilo
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