Eu tinha dez anos quando, pela primeira vez, fui ao BOM JESUS DO MONTE. Eu, com outros romeiros, vínhamos de Vigo onde nos aproara uma tormenta no alto mar. A minha criada, muito amante da vida, fizera uma promessa ao Bom Jesus; e, no cumprimento da sua palavra, de passagem para Trás-os-Montes, convidara alguns companheiros de jornada a subirem ao alto da mata para agradecerem ao miraculoso Senhor o seu salvamento.
Eu, como disse, tinha dez anos, e estava também ajoelhado na capela onde se venera a imponente escultura. Enquanto os meus companheiros agradeciam com fervorosa unção o prazer da vida, recordo-me que cismava, muito em desarmonia com a acção de graças daquela gente. Pensava eu se me não teria sido muito mais benigno o Senhor do Monte, deixando-me resvalar ao abismo, amortaIhado em uma das suas ondas, menos amargas que as lágrimas que eu havia de derramar em naufrágios de maiores agonias. Porque eu, aos dez anos, vinha de perder meu pai quando já não tinha mãe; saía do aconchego da casa paternal desfeito como um ninho espedaçado por um furacão; e ia para uma terra desconhecida enviado a parentes que nunca me tinham visto. Era por isso que eu, pensando na infelicidade da existência, cismava se Deus me seria mais benigno deixando-me ir procurar as almas de meu pai e de minha mãe.
Há cem anos que este Senhor crucificado vê umas poucas de gerações prostradas diante do seu altar – uns a agradecer, outros a suplicar. Pois, talvez no transcurso de um século, nenhuma outra criança de dez anos repetisse, diante desta sagrada imagem, as palavras de Job: Quare de vulva eduxisti me ? – «Porque me deste o nascimento?».
(In Boémia do espírito)
Deixe uma Resposta