Os incuráveis padecimentos que se vão complicando todos os dias levam-me ao suicídio – único remédio que lhes posso dar. Rodeado de infelicidades de espécie moral, sendo a primeira a insânia de meu filho Jorge, e a segunda os desatinos de meu filho Nuno, nada tenho a que me ampare nas consolações de família. A mãe destes dois desgraçados não promete longa vida; e, se eu pudesse arrastar a minha existência até ver Ana Plácido morta, infalivelmente me suicidaria. Não deixarei cair sobre mim essa enorme desventura – a maior, a incompreensível à minha grande compreensão da desgraça. Esta deliberação de me suicidar vem de longe como um pressentimento. Previ, desde os 30 anos, este fim. Receio que chegado o supremo momento, não tenha a firmeza de espírito para traçar estas linhas. Antecipo-me à hora final. Quem puder ter a intuição das minhas dores, não me lastime. A minha vida foi tão extraordinariamente infeliz que não podia acabar como a maioria dos desgraçados. Quando ler este papel, eu estarei gozando a primeira hora de repouso. Não deixo nada. Deixo um exemplo. Este abismo a que me atirei é o terminus da vereda viciosa por onde as fatalidades me encaminhavam. Seja bom e virtuoso quem o puder ser.
Camilo Castelo Branco
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