Acabo de assistir a uma interessante mesa-redonda, organizada pela Faculdade de Letras de Lisboa, e dedicada ao Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco, o que aparentemente não constituirá notícia digna de grande nota. A originalidade reside na circunstância de ocuparem o painel quatro jovens investigadores, limpos de qualquer bolor académico, e que provavelmente amanhã à noite, um sábado de abril, descerão a uma dessas discotecas ribeirinhas onde os que ultrapassaram os quarenta não se ouvem, e as luzes disparam contra os olhos dos não fumadores. Confesso que o “fenómeno”, e não encontro melhor epíteto para o ocorrido, me encheu de esperança o coração.
A novelística portuguesa dos últimos anos, e não me refiro à corrente brotoeja da narrativa histórica, sem gramática, e sem cor, mas à que merece atenção, habituou-nos a uma prática de entrecho que se despoja de espaço e tempo. Tudo aí se passa numa espécie de território límbico, tão próximo de Lisboa como de Copenhague, de Denver no Colorado como de Alpedrinha na Beira Baixa. E por este sem-cenário deambulam personagens inventadas por uma como que fabriqueta de blue jeans novelísticos, tão incaracterísticos da época a que pertencem como do que haverá porventura correspondido às suas vidas anteriores.
O terrível efeito da globalização, sofrido pelo romance luso, e às vezes pelo que de maior qualidade entre nós se produz, e que se afasta dos tais enredos que vão buscar à História o que ela contém de sobremaneira superficial, parece assim manifestar indícios de esvaziamento. A geração realmente rasca que desconhecia se Bonaparte chegara antes, ou depois, de Ramsés II, e se Uppsala se situava na Indonésia, ou Ranchipur na Costa Basca, vai dando lugar agora, e admite-se que em consequência de alguma alteração nos programas didáticos, a uma outra que sabe quando, e onde está, e quando, e onde, não esteve. Acalentadoras perspetivas se descerram pois para a sensualidade do texto, e para o gosto que ele for capaz de nos oferecer, o que não deixará de nos proporcionar, e às gerações a vir, saudável quadro de fruição dos dias.
Ao quarteto de modernos investigadores, apaixonados pela obra de Camilo, e que nela andam a descobrir um destino onde respirar a sua própria mocidade, envio o abraço de um camiliófilo que jamais se envergonhará de o ser.
Fonte: Mário Cláudio (www.expresso.pt)
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