CASTELO BRANCO, Camilo
Amor de Salvação. Lisboa: Círculo de Leitores, 1989
Fen. do amor
“O leitor folheia duzentas páginas deste livro, e o amor de felicidade e bom exemplo não se lhe depara, ou vagamente lhe preluz. Três partes do romance narram desventuras do amor de desgraça e mau exemplo. A crítica, superintendente em matéria de títulos de obras, querendo abater-se a esquadrinhar a legitimidade do título desta, pode embicar, e ponderar – que o amor puro, o amor de salvação vem tarde para desvanecer as impressões do amor impuro, do amor infesto.
Respondo humilimamente:
Amor de salvação, em muitos casos obscuros, é o amor que excrucia e desonra. Então é que o senso íntimo mostra ao coração a sua ignomínia e miséria. A consciência regenera-se, e o coração, reabilitado, avigora-se para o amor impoluto e honroso. Assim é que as enseadas serenas estão para além das vagas montuosas, que lá cospem o náufrago aferrado à sua tábua. Sem o impulso da tormenta, o náufrago pereceria no amor alto. Foi a tempestade que o salvou.
Além de que a felicidade, como história, escreve-se em poucas páginas: é idílio de curto fôlego; no sentir intraduzível da consciência é que ela encerra epopeias infinitas; enquanto que a desgraça não demarca balizas à experiência nem à imaginação.
Para o amor maldito, duzentas páginas; para o amor de salvação, as poucas restantes do livro. Volume que descrevesse um amor de bem-aventuranças terrenas seria uma fábula.” (9)
(Continua)
Amadeu Gonçalves
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