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Fen. do amor (literatura, ficção, poesia)
“A mulher pálida é a que vem cantada em poemas e extremada em romances; ora, quando a poesia e prosa conspiram a dar a realeza do amar e padecer à mulher pálida, havemos de curvar-lhe o joelho, na certeza de que ela se fará amante e mártir, por amor do poema e do romance, ainda mesmo que a natureza lhe tenha temperado o coração de aço.” (48)
Fen. do amor (beleza)
“Beleza absoluta, de telhas abaixo, há uma só, que é a da mulher formosa; e, na variada manifestação de beleza em diversidade de tipos, há uma superior formosura, que constitui o belo universal, o belo que prende e leva todos os olhos. A mulher, assim dotada, tanto impressiona o espírito educado na visão e admiração das maravilhas da natureza e arte, como o espírito desculto de toda a compostura e discernimento.” (50)
Literatura (linguagem, ideia)
“Se a linguagem fosse mais joeirada de plebeísmos, a concisão da ideia poderia atribuir-se a Shakespeare. A mais cristalina água é a que rebenta de penhascos ermos: assim, de espíritos selváticos, ressaltam por vezes umas ideias límpidas, de uma sensibilidade original, que faz pensar.” (50)
Fen. do amor (doenças)
“A morgadinha ouviu ansiada o tio, e respondeu com um ataque de nervos, que era já o terceiro que a insultava; simpática doença em meninas pálidas, se é o amor contrariado que lhes desmancha o aparelho nervoso.” (51)
Dimensão antropológica (indumentária, interioridade)
“Li algures, e estou convencido de uma verdade que soa como paradoxo: e é que o espírito de cada pessoa tem muito que ver com o modo como ela está entrajada. A intelectualidade apouca-se e confrange-se quando o sujeito se olha em si, e se desgosta da compostura dos seus vestidos. O desaire do espírito como que se identifica ao desaire do corpo. As ideias saem coxas e esconsas do cérebro; a expressão tardia e canhestra denuncia o retraimento da alma; há o que quer que seja fenomenal que eu tivera em conta de desvario meu, se muitos sujeitos me não tivessem confessado semelhantes segredos de psicologia, em que o alfaiate exercita importante alçada.” (52-53)
Fen. do amor (como as mulheres, às vezes, amam os homens)
“(…) o homem aceitável como libertador de um seio que quer encher-se de perfumes, sem se dar em servidãoao homem, que lhe vai descancelar os áditos do mundo. Assim é que muitas mulheres têm amado aqueles homens que as salvam; deste amor assim chamado por não haver mais elástico epíteto que dar à cousa, e que surdem os irremediáveis infortúnios, os ódios irreconciliáveis, e as afrontas que levantam as campas, encerram algozes vítimas, e ficam ainda de pé sobre as lousas infamadas, pregoando o opróbio dos filhos gerados no crime e amaldiçoados na infâmia de suas mães… Colho as velas; que, neste rumo, ia variar em sensaboria encapotada em moralização: cousa duas vezes importuna.” (54)
Fen. do amor (riso)
“Rir às cascalhadas é que eu ainda não vi amante ditoso nenhum, no instante solene de se crer amado. Eleutério Romão dos Santos é o primeiro modelo que a natureza me oferece.
E a verdade é só uma. Ao beijo da felicidade que endouda e transporta, o homem, que não estoura em explosões de riso, deve de estar mui calcinado de coração.” (56-57)
Filosofia e literatura, personagens (Afonso de Teive, vida universitária)
“Fui para a Universidade, muito escasso de preparatórios, e por isso me matriculei em Filosofia. Logo aos primeiros dias conheci que fora um erro confiar nas distracções juvenis de Coimbra. Alistei-me primeiramente na roda dos moços velhos, gente ridícula; mas de uma ridiculez que não distrai ninguém. Cada um parecia que trazia dous oráculos na cabeça; antes de expenderem os seus dogmas, punham-se à escuta da inspiração; e, ao abrirem a boca, a própria Minerva das escadas latinas cuidavam eles que se apeava do soco para escutá-los. Zanguei destas criaturas infestas, e fui-me inscrever na fila dos literatos militantes, gente de pouco saber, de muitas maravilhas, questionadora por necessidade de adivinhar a discutir o que não sabia da leitura, enfim, futuras esperanças da pátria, que bem sabiam que uma diminuta ciência, com muita ousadia, basta para atingir os pináculos sociais. Tinham estes rapazes um jornal. Publiquei sem assinatura uma das muitas poesias que eu tinha escrito nos arvoredos de Belas, nos tempos em que a imagem lagrimosa da reclusa das Ursulinas ia lá comigo a ouvir a voz de Deus nas harmonias da terra. A poesia tinha a religiosa suavidade de um amor que se alivia aos santos enlevos do coração virgem. Os literatos disseram que eu imitava Lamartine, e que mesmo o traduzia quase literalmente em algumas estrofes. Ora eu não tinha ainda lido Lamartine: fui lê-lo, e corei de vergonha pelo grande poeta comparado comigo. Em todo o caso, desgostei-me dos meus colegas por se darem uns ares de tolice muito por aí fora dos limites razoáveis. Passados tempos dei ao jornal uma outra poesia, fremente de paixão, arrojada, vertiginosa, escrita depois do meu desastre. Os meus colegas avisaram-me de que a academia, lendo a minha ode, declarara que eu traduzira Vítor Hugo. Fui ler depois Vítor Hugo, e lastimei que os soberanos do génio estivessem sujeitos às chuvas de todo o mundo, sem excepção dos literatos meus contemporâneos da Universidade.” (68-69)
Literatura, personagens (Afonso de Teive)
“Instado por minha prima, escolhi a leitura da Noite do Castelo ou os Ciúmes do Bardo. Comecei a ler pelo livro; porém, à segunda página, dei de mão insensivelmente ao livro, e declamei de cor com tamanho entusiasmo, e com a voz tão vibrante de lágrimas, que minha mãe rompeu em soluços, e minha prima empalideceu de assustada da minha intimativa.” (70-71)
Civilização
“(…) e maldisse a civilização, que fechara os áditos da paz quando a guerra sacudia as suas serpes mais inexorável; maldisse a ilustração, que aluíra a enfermaria dos empestados do vício, quando a peste ardia mais devoradora. A minha angústia era ainda imensa, porque eu não podia dispensar-me de Deus, e dos homens, que apontavam o caminho de melhor mundo.” (71)
(Continua)
Amadeu Gonçalves
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