
BRAGA, João Paulo – «”Beatriz de Vilalva” (Camilo Castelo Branco): da realidade à ficção; da ficção à narração». Revista Portuguesa de Humanidades – Estudos Literários (Universidade Católica Portuguesa – Faculdade de Filosofia de Braga), 11 – 2, 2007, pp. 127-144.
Sobre o volume Noites de Insónia, constituído por uma série de textos publicados por Camilo, mensalmente, de Janeiro a Dezembro de 1874, afirma Sérgio de Castro: «Há de tudo nestes livrinhos preciosos, onde se reflecte, tanto ou mais que nos romances, a sua individualidade; onde se antemostram os expedientes e recursos da sua faina de escritor profissional; por onde se apreendem os instrumentos da sua laboração» (Camillo Castello Branco – Typos e episodios da sua galeria. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1914. Vol. II, p. 238).
O conto “Beatriz de Vilalva”, inserto no nº 10 (Outubro), comprova a afirmação do citado crítico, apresentando-se como um dos textos que melhor exemplificam sobretudo os processos de efabulação (a inventio, segundo a velha retórica) do mestre de Ceide, particularmente no que diz respeito à questão – fundamental na narrativa camiliana – das relações entre realidade e ficção.
No conto, é narrado o caso de Beatriz, “a encantadora bastarda do capitão-mor da Lixa”, que, desobedecendo à autoridade paterna, recusa o casamento acertado com o morgado de Pildre e, na véspera, desaparece. Passados muitos anos, aparece na residência paroquial de “S. P. de E.”, no velório do pároco, João de Queirós, o amor da sua vida, com quem fugira para viver amancebada, numa reclusão de trinta e sete anos. Jorge de Faria, num artigo do Diário da Manhã (1 de Junho de 1934), expôs os fundamentos reais em que Camilo assentou o enredo, correspondente a um caso efectivamente sucedido em Esmeriz (S. Pedro de Esmeriz), Vila Nova de Famalicão. Mas, como é típico de Camilo, a despeito dos famosos protestos de verdade e de fidelidade de quem dizia não ter imaginação, apenas memória, a matéria factual foi sujeita a um processo de transformação ficcional. É essa a perspectiva escolhida por João Paulo Braga para a análise deste conto, que nos propõe num artigo do último número (11, fasc. 2) da Revista Portuguesa de Humanidades, da Faculdade de Filosofia de Braga (Universidade Católica Portuguesa), uma escola com boa tradição nos estudos camilianos. O autor do artigo demonstra como o romancista trabalhou a narração, de modo a captar a atenção do leitor, e como trabalhou a ficção, operando, com a imaginação e a sensibilidade romântica, transformações na matéria real, de modo a torná-la mais “narrativa”, mais poética, mais dramática, e imprimindo-lhe as ressonâncias autobiográficas habitualmente presentes na sua ficção.
Casa de Camilo
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