
«Fui a uma aldeia, pendurada de uns rochedos de Barroso. Bragadas era o seu nome. Chamavam-me ali as trutas do rio Beça, as maiores trutas dos córregos riquíssimos de Portugal.
Distanciei-me duas léguas de casa, e fui surpreendido pela noite, debruçado por sobre uma fraga, com o anzol numa levada, onde vi uma truta velha, de cabelos brancos, como lá dizem.
Desta macróbia se dizia que tinha impunemente engolido anzóis! O peixe era um Mitrídates da sua classe.
Assustado da noite, e transviado do caminho, fui dar àquela aldeia, e perguntei a um pastor se lá havia padre. Casa de padre é sempre albergaria certa de forasteiros, mesa farta, e cama limpa. Não havia padre em Bragadas.
[…]
-Vossemecê parece estar a gostar das figurinhas do portão? – disse o senhor Barroso.
– Estava a admirar.
– As figuras são os doze apóstolos e os anjos. Aquilo está bem feito de uma vez, heim?
– Nunca vi coisa melhor? mas…
Sustive-me. Eu ia perguntar ao hospedeiro dono daquele magnífico portal, como era que a fachada do edifício escondia uns quase pardieiros, uma cozinha térrea, e uns sobrados com umas janelas de pedra bruta, e portadas de madeira nem sequer desbastada pelo cepilho!»
(In Noites de Lamego)
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