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Peregrinação Camiliana à volta de uma obra infinita.

LUCÍLIA MONTEIRO

 O escritor José Viale Moutinho vasculhou todos os recantos possíveis à procura dos contos, novelas curtas, romances breves, cartas e polémicas que compõem a obra de Camilo

 VALDEMAR CRUZ

 Será difícil alguém dizer com segurança qual a dimensão real da imensa obra deixada por Camilo castelo Branco. Se por vezes se fala das assíduas revelações da já célebre arca de Pessoa, neste caso há a certeza de, apesar de muito ser o já conhecido, também muito é quanto está por conhecer, em particular no domínio da correspondência do escritor. José Viale Moutinho, escritor, em colaboração com o Círculo de Leitores, lançou mãos a uma empreitada difícil, não isenta de riscos, mas traduzida agora no lançamento de um volumoso primeiro volume onde se incluem – e esse é o título – “Camiliana – Todos os contos, novelas curtas e romances breves”, que terá um segundo volume em dezembro. A obra será apresentada ao fim da tarde de hoje na Casa de Camilo, em S. Miguel de Seide, Vila Nova de Famalicão.

 O terceiro volume, com edição prevista para janeiro, será uma antologia das cartas. Viale explica que “há milhares de cartas disponíveis” e revela-se “impressionado com os milhares de outras cartas que andam por aí e que são sonegadas, ou então perderam-se”.

 Este é um dos problemas inerentes à prolífica atividade literária de um homem como Camilo. Num levantamento feito em 1988, mas considerado já desatualizado em algumas vertentes, da responsabilidade do escritor Alexandre Cabral, tido como um dos grandes conhecedores da obra camiliana, estabelecia-se uma estimativa de 30 mil páginas escritas correspondentes às 133 obras originais; duas mil páginas de polémicas; 2 600 páginas de escritos diversos e avulsos; 569 páginas das obras alheias que verteu para português; e 15 mil páginas de correspondência, além de outros escritos.

 CRÓNICAS E TEXTOS POLÉMICOS

 O quarto volume, programado para março, incluirá crónicas, textos polémicos e artigos escolhidos. Esta é uma das vertentes em que Camilo revelava toda uma incomparável mestria, com críticas demolidoras à burguesia dominante. Revela-se aqui, por outro lado, uma faceta de jornalista sempre disponível para um nível de polémica que nem sempre se ficava pelas trocas de galhardetes impressos. Não raras vezes dali decorriam reações violentas de quantos se sentiam atingidos.

 

Há muito dedicado e apaixonado pelo universo camiliano, José Viale Moutinho admite ter começado a construir esta ligação muito cedo, a partir de uma biblioteca de família muito recheada de obras do autor de “Amor de Perdição” e Júlio Diniz. “Aquilo fascinava-me muito.

Depois fui penetrando nas partes mais desconhecidas”.

 É o que acontece com os volumes cuja publicação agora se inicia. No caso dos contos, por exemplo, Camilo, explica Viale Moutinho, “procedia como com a maioria dos romances e das novelas: fazia-os passar pelo crivo dos jornais, escrevendo-os muitas vezes à sobreposse, reservando-se a mais aturada revisão quando os passava para livros”.

 Neste primeiro dos dois volumes dedicados às ficções curtas, o responsável pela recolha, prefácio e notas destaca algumas peças.

Desde logo a que surge a abrir, até por se tratar do primeiro conto (ou romance?) de Camilo publicado com a sua assinatura. Trata-se de “A última vitória de um conquistador”, escrito tinha Camilo apenas 23 anos e quando viva ainda em Vila Real. Publicado em oito folhetins no jornal portuense “O Eco Popular”, entre 29 de março e 12 de abril de 1848, é apontado como sendo a sua mais antiga ficção.

 O texto foi publicado em livro em 1925, ano da comemoração do centenário do nascimento do escritor, a inaugurar a Coleção Diário de Notícias. Na opinião de Viale, o interessante desta obra está no modo como nos mostra “um autor ainda incipiente e influenciado pelo moralismo de Alexandre Herculano”. Revelava-se já, porém, “um observador atento ao universo em que se movia, sobretudo na boémia portuense, aos casamentos obrigados das filhas para salvar os naufrágios financeiros dos pais e as suas consequências funestas, com amantes e suicídios à mistura”.

 “MARIA! NÃO ME MATES QUE SOU TUA MÃE!”

 Há depois, escreve Viale num texto de introdução, um outro conto “algo bizarro e desfasado da sua prosa, capaz de arrancar lágrimas às pedras da rua”. É o texto sobre um caso ocorrido na época e intitulado “Maria! Não Me Mates Que Sou Tua Mãe!”. Romance de faca e alguidar, foi escrito para suprir, parece que com sucesso, às necessidades de dinheiro do escritor.

 Um outro destaque possível neste volume com 700 páginas vai para “A Infanta Capelista”, cuja primeira edição para as livrarias foi feita por Viale Moutinho em 1984. O coordenador desta coleção considera o conto “o mais raro espécime da bibliografia ativa de Camilo Castelo Branco”. A novela contém em si mesma uma história tão atribulada quanto fantástica, narrada ao longo de várias páginas com a habitual graça e ironia de um Viale que se percebe recolher um grande prazer em penetrar em toda a mundividência camiliana.

 Bastará dizer, e apenas para dar algumas pistas, que as páginas da impropriamente chamada primeira edição desta novela começaram por embrulhar bacalhau, açúcar e outros artigos em venda numa mercearia na Rua de Santo António, atual 31 de janeiro, no Porto.

 Escasso seria aqui o espaço para detalhar o quanto está por trás deste conto, como escasso é sempre o tempo para absorver a infinidade de histórias, episódios, casos, detalhes da vida de Camilo a brotar em permanência de qualquer conversa com Viale Moutinho sobre o escritor.

 Percebe-se-lhe a admiração e o fascínio pela criatividade daquele que considera o primeiro profissional das letras em Portugal.

Curiosamente, e não obstante tão intensa produção, e tão vasto ser o conjunto dos seus admiradores, Camilo, que “nunca se meteu com Eça” e revelava “um grande culto pelos clássicos”, no fundo “só tem um discípulo: Agustina Bessa Luís”. Nenhum dos dois gostava de música.

 Fonte: Expresso

 

 

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