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“O dia mais longo”, de Ken Annakin, Andrew Marton, Bernhard Wicki e Darryl F. Zanuck (1962)
Por Helder Pacheco

1 – O ACONTECIMENTO

– O Dia D é o pano de fundo de um livro e de um filme.
– Em 6 de Junho de 1944 a Operação Over Lord abriria uma 2ª Frente na Guerra na Europa, em que 5.000 navios desembarcaram 200.000 soldados aliados.
– Apoio: 880 aviões lançaram 13.000 soldados, tendo ainda 9.000 aviões de bombardeamento.
– Foi o maior desembarque da História e decorreu em 5 praias: Utah/Omaha (Americanos), Gold/Sword (Britânicos) e Juno (Canadianos).
– A Invasão foi precedida de mensagem enviada à Resistência Francesa com versos do poema de Paul Verlaine “Chanson D’Automne: «Les Sanglots Longs des Violons de L’Automne, Blessent mon cour d’une languer monotone».
– Nas primeiras 24 horas decisivas calcula-se que as forças aliadas perderam entre 10 e 12.000 homens.
– Os alemães terão perdido 9.000 homens. Mas o Marechal Rommel, com alguma ironia e desencanto, em fins de Junho diria que as perdas seriam 28 Generais, 354 Oficiais e 250.000 homens. Ou seja: o exército que defendia a chamada Muralha do Atlântico considerada inexpugnável.
– Um mês depois do desembarque os Aliados tinham no terreno 550.000 homens.
– Seria o princípio do fim do 3º Reich, destinado a durar 1.000 anos!
– Em Maio de 1945 os Aliados tomariam Berlim.

2 – O LIVRO

– O Livro “O Dia mais Longo” foi publicado em 1959, 15 anos depois do “Dia D”.
– O título foi extraído de uma frase de Rommel que, em 22 de Abril de 44, diria ao seu Ajudante de Campo: «Acredite-me, Lang, as primeiras 24 horas da invasão serão decisivas… Dela dependerá o destino da Alemanha… Tanto para os Aliados como para nós esse será o dia mais longo».
– O autor, Cornelius Ryan, cobriu o conflito como correspondente de guerra, até à queda de Berlim, a que assistiu.
– Para escrever o livro, além da própria experiência na frente da batalha, reuniu enorme quantidade de informação, através de uma investigação profunda, contactos directos com intervenientes, consulta de arquivos e recolha de documentos.
– Realizou verdadeiro trabalho de historiador, utilizando um olhar de jornalista e repórter de guerra.
– Cornelius Ryan entrevistou 700 participantes no conflito e todos os factos que descreve foram corroborados cruzando os depoimentos de 3 testemunhas dos acontecimentos.
– O livro constituiu enorme sucesso mundial (4 milhões de exemplares vendidos) e foi traduzido em 26 idiomas.
– Outro livro de Cornelius Ryan “A Bridge Too Far” deu origem a outro notável filme.

3 – O FILME

– Com 3 horas de exibição era o maior filme produzido pelo cinema norte-americano e, ainda hoje, o maior clássico sobre a II Guerra Mundial. Rodado em 1962 dezoito anos após os acontecimentos, ainda estava próximos deles.
– É verdadeiramente uma crónica da invasão, constituída por pequenos episódios que se sucedem formando um puzzle que, lentamente, vai encaixando à medida que as Forças Aliadas progridem em França.
– Alguns autores consideram-no um filme épico, um docudrama revelando, simultânea e objectivamente, pontos de vista e comportamentos Americanos, Alemães, Franceses e Ingleses – cada um falando a sua língua (o que não era, nem é, frequente em cinema).
– A narrativa é realista, despojada, quase de um repórter nos locais e há quem critique o filme por apresentar histórias a mais. A fidelidade à narração do livro exige-o, num estilo de crónica que vamos vendo como quem lê a realidade num drama a que o preto e branco (o maior antes de “A Lista de Shindler”) dá grande intensidade.
– Os efeitos dramáticos são admiráveis de simplicidade: o poema de Verlaine / as pancadas iniciais da 5ª Sinfonia – “do Destino” – com que a BBC iniciava as emissões / o capacete do soldado morto tombado – como acontecia, de facto – na praia.
– Para dar maior veracidade aos próprios géneros da linguagem cinematográfica utilizada, assinam a realização 5 autores: Ken Annakin (exteriores ingleses) Andrew Morton (exteriores americanos) e Bernhard Wicki (famoso realizador germânico, as cenas alemãs).
– Filmado com rigor histórico sobre os dois lados do conflito, é patente no filme (e nos factos) a desorientação, contradições, conflitos de competências e até de incompetência dos comandos Alemães, enquanto do lado Aliado as personagens reflectem a determinação, a coesão e a extraordinária humanidade dos figurantes, desde ao altos comandos aos operacionais.
– À distância de quase 50 anos este filme permanece como um sensível, tocante e completo fresco sobre a coragem e a dignidade dos combatentes que vieram libertar a Europa de um dos maiores pesadelos da sua História.
– Depois de vermos “O Resgate do Soldado Ryan”, “A Linha Invisível” (obra magnífica de Terence Malik) e, ultimamente, “A Bandeira dos Nossos Pais” e “Cartas de Iwo Jima”, de Clint Easttwood, espectaculares e providos de meios tecnológicos absolutamente insuspeitados em 1962, este “Dia Mais Longo” surge-nos quase como um documento de arquivo. Dele está ausente a espectacularidade dos efeitos sonoros e visuais. No entanto, as imagens habituais dos livros, revistas e documentários sobre a II Guerra Mundial são assim mesmo. Nele não há ficção nem artifício mas, simplesmente, a realidade e talvez seja esse o seu mérito, a sua grande lição. Nele não estamos de fora, contemplando a tragédia, estamos dentro dele porque tudo é verosímil: a angústia da espera, o nervosismo das tropas, a expectativa do desembarque eminente (onde?). Os medos e as pequenas coisas que antecedem, para uns a morte, para outros a glória anónima, são admiravelmente retratados.

4 – RAZÕES DA ESCOLHA

– Para mim “O Dia Mais Longo” é o regresso à infância, as vivências da II Guerra vistas do Porto, ouvindo a rádio clandestinamente, todas as noites, vendo as fotografias de revistas e jornais – sobretudo as de propaganda Aliada, pressentindo angústias sobre o futuro e as terríveis dificuldades do dia a dia (o racionamento, as bichas, a repressão política).
– Quando os Aliados desembarcaram, meu pai republicano e – tal como a maioria da população da cidade – admirador dos Aliados, viveu um momento eufórico.
– Acompanhou-se, depois, intensamente, o avanço Aliado e, quando a Guerra acabou, a Baixa encheu-se de multidões com as bandeiras Aliadas, enterrou-se o Hitler e a Polícia reprimiu duramente as manifestações que duraram dois ou três dias.
– Salazar decretou três dias de luto nacional e muita gente estava convencida de que a Ditadura cairia com a derrota do Nazi-Fascismo.
– Puro engano, por cá ficou tudo na mesma.
– Um dos grandes desejos de meu pai era visitar os lugares míticos do desembarque: as praias da Normandia. Não conseguiu concretizar esse intento.
– Há dois anos, em memória dele e da minha infância, aluguei um carro, em Paris, e fui percorrer todos aqueles sítios ligados ao heroísmo de milhares de jovens que ali desembarcaram para que o futuro da Humanidade fosse melhor e mais justo. Em liberdade. Não por mim, mas pelos meus filhos e os filhos deles espero que tal sacrifício tenha valido a pena.
Helder Pacheco

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