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Posts Tagged ‘O Dia do Desespero’

“Eu estou aqui a falar, mas não sabem quem eu sou. Eu sou o Manoel de Oliveira”: a apresentação estava feita perante uma plateia lotada que escolheu passar a sexta-feira à noite na companhia do cineasta. O pretexto era o regresso de Manoel de Oliveira à Casa de Camilo, em Vila Nova de Famalicão, quase vinte anos depois da estreia do filme “O Dia do Desespero”, que relata a história verídica dos últimos anos de vida do romancista Camilo Castelo Branco. O Centro de Estudos Camilianos emprestou o seu auditório para rever “O Dia do Desespero”, com a promessa de ouvir o mestre recordar e rever os pormenores das filmagens – e os famalicenses não faltaram à chamada.

Em passo apressado, o realizador que em Dezembro cumprirá 102 anos, entrou numa sala cheia. À porta, quem não conseguiu entrar espreitava, tentava vislumbrar a silhueta do mestre. E este fez ecoar os mais sinceros agradecimentos e apresentou-se, poupando palavras ao seu interlocutor, que tinha acabado de perguntar: “Como apresentar quem não precisa de apresentações?”

Manoel de Oliveira descobriu o fascínio por Camilo Castelo Branco, revelado tanto em “O Dia do Desespero”, como nas suas obras “Amor de Perdição” e “Francisca”, porque, tendo sido “um escritor excepcional” é impossível não o descobrir. “Quem é que não o descobriu? O fascínio é evidente”, atirou num tom bem-humorado que manteve, tanto na conversa prévia à exibição do filme, como na demorada sessão de perguntas posterior, levando a plateia inúmeras vezes às gargalhadas.

Sobre os pormenores da rodagem de “O Dia do Desespero”, filmado em 1991 e projectado no Centro de Estudos Camilianos de Vila Nova de Famalicão, o realizador reconheceu não se lembrar de histórias particulares, nem daquela em que terá pedido folhas, importadas da Bélgica, para uma acácia despida. O tom bem-disposto foi pontuado por momentos sérios, especialmente quando o tema era Camilo Castelo Branco. “A vida dele foi funesta”, assegurou o realizador, que vê na figura do escritor o peso de uma “perseguição” de que foi alvo desde criança.

O homem que já foi “muita coisa”, mas agora é só realizador, intercalou o tema camiliano com outro: a morte. “A morte igualiza toda a gente. Ricos e pobres”, afirmou, debruçando-se depois perante a relação que se estabelece entre o seu oposto, a vida, e o cinema.

Para Manoel de Oliveira, “a própria vida não tem nada de original”. “Foi o viver que me ajudou a fazer cinema e não o contrário. O cinema copia o que o Criador cria, portanto não me podem chamar criado”, resumiu.

Apesar de não ser presença habitual nas salas de cinema, o cineasta que começou quando o cinema ainda era mudo – “Fiz cinema mudo, porque não havia som”, disse –, não se escusou a comentar a nova revolução tecnológica pela qual a sétima arte está a atravessar. “Acho que as três dimensões são de mais, porque exageram a própria vida. Por mais voltas que dêem à técnica, nunca a técnica substitui os seres humanos”, defendeu o realizador mais velho do mundo ainda em actividade.

Fonte: AGÊNCIA LUSA, 25-09-2010

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Manoel d’ Oliveira é o próximo convidado da Sessão “Um Livro, Um Filme”, actividade promovida pela Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, através da Casa de Camilo, e que decorrerá no auditório do Centro de Estudos, em S. Miguel de Seide, no dia 24 de Setembro de 2010, pelas 21h30.
O cineasta escolheu para ponto de partida dos seus comentários a película “O Dia do Desespero”, por si realizado e integralmente rodado na Casa de Camilo – Museu, moradia onde o romancista passou grande parte da sua via e pôs termo à vida a 1 de Junho de 1890.

Manoel d’ Oliveira tem a idade do cinema. Contando quase cinquenta filmes em pouco menos de oitenta anos de trabalho, tendo acompanhado activamente as principais mutações técnicas e estéticas da criação cinematográfica (a passagem do mudo ao sonoro, do preto e branco à cor ou do registo fotográfico ao vídeo), o percurso de Manoel d’ Oliveira pode, na sua singularidade, ser visto como uma síntese da história do cinema. De Douro, Faina Fluvial (1931), o primeiro filme do autor, a Singularidades de uma Rapariga Loura (2009), sua mais recente realização, a obra de Manoel d’ Oliveira concilia alguns dos principais antagonismos que marcaram as querelas cinematográficas ao longo de todo o século XX. Fazendo confluir duas concepções de vanguarda, nela se confrontam uma primeira modernidade, em que a «sétima arte» pretende fundar uma linguagem específica, demarcando-se das outras disciplinas artísticas para se definir como uma «arte pura», e uma segunda modernidade, em que o cinema, deixando de procurar a emancipação na ruptura e reconhecendo a especificidade da sua impureza, se propõe como uma «síntese de todas as artes».
Estas duas orientações efectuam-se, em Oliveira, numa consolidação das relações do cinema com a literatura e com o teatro, mas também com a pintura e com a música, aprofundando as correspondências através da transgressão de categorias, como o documentário e a ficção, da hibridação de modelos narrativos e da recusa tanto do realismo como do naturalismo, em vista de uma objectividade da representação cinematográfica.
(Texto de António Preto)

“O Dia do Desespero” conta a história verídica dos últimos anos do eminente escritor português do século XIX, Camilo Castelo Branco.
Esta evocação baseia-se, fundamentalmente, em algumas das suas cartas. Os textos são, poderemos dizê-lo, o fio condutor da evolução dramática de um homem viril, polémico e romântico que contrastava com o espírito funesto, instável e irresignado.
Camilo afunda-se sem remissão num conflito íntimo, ou melhor, interno, “um drama em gente”, como diria Fernando Pessoa.
Havia de ser a cegueira o impulsor para o Acto final da sua vida. Acto final da sua vida? E o Além-Túmulo?

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«Os últimos anos de Camilo Castelo Branco, numa abordagem baseada em cartas do escritor cuja obra marca a realidade cultural do século XIX, em Portugal; reflectindo os conflitos e contradições do autor em si, um carácter pungente e tortuado. Assim evoluem esses tempos autênticos – como o sofrimento pela cegueira, em irreversível demolição íntima. Até ao transe do suicídio…»

In MATOS-CRUZ, José – Manoel de Oliveira e a montra das tentações. Lisboa: Publicações D. Quixote, 1996. p.133.

Ficha Técnica

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Têm as grandes obras e os grandes criadores o condão mágico de permitirem a criação de grandes espaços de encontro cultural, numa espécie de respublica spiritualis, que não conhece as limitações do tempo, nem as fronteiras dos géneros ou das formas de expressão que naturalmente distinguem os artistas, ou sequer as legítimas diferenças de ideologia, de crença ou de acção política que possam separar os homens!
Camilo e a sua obra são por certo uma dessas realidades multímodas, polissémicas e perenes que, desde há mais de um século e meio mais poderosamente suscita e congrega as atenções, os interesses estéticos, a força prometaica dos criadores e o empenho dos estudiosos da sociedade portuguesa moderna. E uma das mais evidentes provas desta minha afirmação é, mesmo quando passa despercebida aos olhos tantas vezes desatentos do nosso mundo cultural, é o Prémio Casa de Camilo, [entregue] ao cineasta Manoel de Oliveira.
Com efeito, desde que foi criado, o Prémio tem distinguido estudiosos de Camilo, como Jacinto do Prado Coelho, Alexandre Cabral ou Manuel Simões, editores da sua obra, como a Livraria Lello, do Porto, sucessora de um dos mais fiéis editores do Escritor, que foi Ernesto Chardron, e agora um cineasta da craveira de Manoel de Oliveira, em cuja obra os dramas de Camilo e das suas personagens têm parte tão significativa, pela quantidade, pela qualidade mas, com não menor dimensão, pelos caminhos verdadeiramente renovadores que com o seu tratamento rasgou no campo da sétima arte, justamente numa intersecção que tão difícil e polémica se tem mostrado desde a sua invenção, como é o do tratamento cinematográfico da obra literária ou da difícil personalidade dos seus criadores.
Grande e renovadora é, na verdade, a presença da matéria camiliana na obra cinematográfica de Manoel de Oliveira.
(mais…)

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